terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Samuel Ajayi Crowther







Laroyê Exu! Exu é Mojubá!
A palavra exu, por si só, dita entre um grupo de amigos no trabalho ou até mesmo nos programas de televisão gera rápida associação com algo ruim, seja maligno ou simplesmente não desejado.
É comum encontrar uma pessoa não ligada à religião dizer:
“Sai exu! Chuta que é macumba”!
Contudo, mesmo que os adeptos das religiões afro-brasileiras insistam com seus interlocutores que exu não é algo maligno alguns destes religiosos não conseguem expor com exatidão porque exu possui esta forte conotação pejorativa.
A explicação corriqueira é seguida de frases como:
“Exu fala na cara e a verdade dói. Por isso, o povo fala que exu não presta”;
“Dizem que exu é o diabo porque não conhecem a religião.
Se conhecessem, não diriam isso. Exu é Guardião”.
Afirmações deste tipo não nos esclarece o motivo e, talvez, a origem de tão reforçada vinculação de exu, orixá ou entidade de trabalho, como dizem os praticantes de Quimbanda, com o diabo católico.
A analogia entre exu e o diabo católico possui raízes mais profundas do que imaginamos. Por conta da análise histórica do bispo anglicano Crowther revelamos que o fato também é gerado dentro da sociedade iorubana há séculos.
Uma informação muito importante aos irmãos de fé que ainda não estão cientes desta funcionalidade.
O google tradutor possui a língua ioruba como opção.
Sim, podemos acessar o google tradutor, digitar uma palavra em ioruba, por exemplo, ori, que teremos como tradução em português: cabeça.
Contudo, digitando a palavra Esù (grafia mais aproximada do ioruba) teremos a tradução: diabo.
Explicarei um dos fatos fundamentais que levou e ainda leva grande parte da população a relacionar Exu com o diabo católico. 
Não existe um fato isolado na história da humanidade que vincule a imagem de exu ao diabo católico.
Podemos dizer que uma sucessão de acontecimentos gerou esta associação.
Entretanto, um fato histórico documentado é de extrema importância para o estudo da origem associativa de exu com o diabo.
Quando digo exu estou me referindo ao Orixá Exu, divindade mensageira e primordial junto ao grupo etnolinguístico africano de nome ioruba e também me referindo às suas demais associações em outros meios religiosos como, por exemplo, as manifestações em transe mediúnico de entidades espirituais denominadas como Linhas de Trabalho de Esquerda para algumas escolas umbandistas e de Quimbanda, que são chamadas também pelo nome de exu.
Para isto, precisamos conhecer a história de um nigeriano chamado Samuel Ajayi Crowther.
Samuel Ajayi Crowther nasceu no ano de 1809 na Nigéria, povoado de Oxogun que, na época chamava-se Iorubalândia.
Aos 13 anos de idade, sua cidade foi invadida por caçadores de escravos.
Acredita-se que estes caçadores eram de origem Fulani e Oyos que se converteram ao islamismo, fato muito comum na África.
A conversão para o catolicismo, protestantismo e islamismo é muito grande até os dias de hoje.
A invasão, contou Crowther em suas memórias, foi brutal.
Incendiaram casas, perseguiram os cidadãos que eram parados por meio de pancadas e conduzidas por meio de correntes presas ao pescoço.
Disse ainda que, os incapazes eram mortos aumentando o desespero, tendo em vista que as famílias eram dizimadas e os vínculos perdidos.
De uma hora para outra, parte de sua família e amigos eram açoitados e mortos deixando crianças sem pais para serem vendidas e utilizadas como mão-de-obra escrava do outro lado do oceano.
Na época, era uma vida sem volta.
Só havia sofrimento e dor. 
Samuel, comercializado por seis vezes, foi entregue a um grupo de portugueses que praticavam o tráfico de escravos intercontinental.
Estes traficantes colocaram seu grupo de escravos africanos dentro de seu navio negreiro e partiram rumo ao continente americano.
Possivelmente, Brasil.
Contudo, este navio negreiro foi interceptado pela marinha britânica em abril de 1822 e conduzido à região de Serra Leoa, região muito distante de sua terra natal.
Os africanos integrantes do grupo resgatado viram-se desorientados por aportar em região desconhecida, mesmo estando no mesmo continente.
Em Serra Leoa, Crowther deu início a uma nova vida.
Não por opção, mas por necessidade.
Era uma questão de sobrevivência. 
Passados três anos em Freetown (África), converteu-se ao cristianismo.
Sobre esta experiência, escreveu:
"sobre o terceiro ano da minha libertação da escravidão do homem, eu estava convencido de outro estado pior de escravidão, ou seja, a do pecado e de Satanás.
Aprouve ao Senhor abrir meu coração(...)
Eu fui admitido na Igreja visível de Cristo aqui na terra como um soldado para lutar bravamente sob sua bandeira contra nossos inimigos espirituais."
Podemos notar facilmente que Crowther enxergava-se como um religioso que tinha uma grande missão, lutar bravamente sob a bandeira do Senhor contra nossos inimigos espirituais. 
Em 11 de dezembro de 1825, Ajayi foi batizado pelo Reverendo John Rahan, integrante da Sociedade Missionária Anglicana.
Depois do batismo, adotou o nome Samuel Crowther em homenagem a uma grande figura desta mesma sociedade religiosa e que usava o mesmo nome.
Passou alguns anos em Serra Leoa estudando inglês e ganhou destaque entre os missionários recebendo o cargo de inspetor de alunos.
Não podemos negar que Crowther era inteligente, esforçado e dedicado à sua religião.
Mesmo não estando o clero britânico em concordância com esta situação, Crowther tornou-se o primeiro bispo negro no ano de 1864.
Neste mesmo ano, Crowther concluiu seu doutorado pela Universidade de Oxford. 
Antes de Crowther, a língua ioruba não tinha grande importância para os ingleses.
O intuito era ensinar o inglês.
Contudo, tal abordagem não se mostrara tão eficaz quanto a de Crowther que, com grande esforço, catalogava e traduzia os ensinamentos da igreja para as línguas locais.
Logo, o ioruba passou a ser a língua mais falada em Serra Leoa.
Juntamente com o reverendo Rahan, Crowther publicou três livros sobre o Ioruba.
Em 1843 publicou um livro intitulado Vocabulário Ioruba com o estudo gramatical da língua e sua estrutura.
Durante toda sua vida como religioso cristão, Crowther dedicou-se  à tradução da Bíblia para a língua ioruba.
A Bíblia em ioruba, Bibeli Mimá, foi publicada na década de 1880.
Assim, chegamos ao ponto do trabalho de Crowther que nos influencia até os dias de hoje.
Crowther, para que os iorubanos entendessem a religião cristã e seu novo testamento forçou algumas analogias.
Podemos notar que no evangelho de Mateus, cuja reprodução encontra-se no material em anexo, capítulo 4 (na Bíblia em ioruba consta como ori 4), versículo 1 (primeira frase) consta: 
“Em seguida, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo”.
Crowther torna oficial a tradução de Exu para diabo, satanás.
Todo o povo ioruba que manteve contato com as obras dele, bem como todo o clero da Igreja Anglicana, passa a utilizar a palavra Exu para designar o diabo.
Havia um homem, Crowther, bispo anglicano e com doutorado em Oxford que fundamentava esta associação.
Sabemos que a tradução de um livro extenso como a Bíblia exige um certo número de pessoas.
De certo, Crowther possuía colegas de trabalho ou ajudantes com o qual mantinha constante diálogo e troca de opiniões sobre as palavras corretas a serem utilizadas para compor a tradução de um livro tão sagrado quanto a Bíblia.
Para um bispo, a subversão dos ensinamentos de Deus era um sacrilégio.
Assim, Crowther agiu de acordo com suas crenças, de acordo com suas lembranças e nunca saberemos o real motivo desta indicação.
Não sabemos com exatidão se utilizou o sincretismo porque considerava Exu o diabo ou porque esta era a única solução que encontrou para demonstrar ao povo ioruba a essência do que estava ali escrito.
Por exemplo, Crowther traduziu Deus como Olorum.
Contudo, não traduziu Jesus como Oxalá.
Manteve aquilo que lhe era sagrado intacto e transformou os demais conceitos em material compreensível ao povo ioruba.
O sincretismo de Exu com o diabo, neste caso, ocorreu de fora da religião para dentro.
Será que a Bíblia que nos é apresentada hoje, após inúmeras traduções realizadas das diversas línguas originais de seus textos, é fidedigna?
Cremos que não.
O que foi perdido ou subvertido?
Os sacerdotes africanos participantes das religiões de culto aos antepassados, das regiões de Angola e do Congo, chamados de Kimbanda e Nganga, respectivamente ao manterem contato com os colonizadores europeus traziam no seu imaginário os conceitos de feitiçaria e práticas mágicas e acabou por ressignificar os seus costumes religiosos.
Os sacerdotes desses cultos, acabaram sendo vistos como feiticeiros e praticantes de magias negras.
Ao lado desse rótulo externo, os cultos, dirigidos pelo Kimbanda e Nganga, foram se transformando, através de uma dinâmica cultural com as religiões e religiosidades europeias e indígenas, gerando cultos como a cabula, o calundu e a macumba, que no século XX, formaram matrizes religiosas como a Umbanda.
Pelas sete estrelas que escurecem o firmamento, pelo despertar dos gigantes que adormecem abaixo dos vulcões, pelas lagrimas de sangue que escorrem dos meus olhos, estarei sempre em ti, jorrando as aguas adocicadas do eterno saber.
Sou a volúpia do seu espirito enegrecido e as sensações de prazer que vives em tuas vitorias.  
Sou o anoitecer doa amantes e a harpa dos iludidos, sou o princípio e o fim dos poucos que possuem espirito.
Sou a águia negra que te enxerga do alto e a serpente invisível que lhe espreita em todas as horas.
Sou a Coroa e o Cetro.
Sou Maioral de todos os Infernos!

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