Quimbanda audiobook parte 01
Brasil, terra formada por muitas etnias, local escolhido por
antigos Deuses para uma fusão sociocultural, onde as raças se misturaram
formando novos credos e cultos, onde ameríndios, africanos e europeus deixaram
a rigidez de suas formações primárias e deram vazão ao novo, ao desconhecido e
ao desbravador. Uma região abençoada e amaldiçoada foi a terra fértil que
capacitou a formação de uma corrente evolutiva de tamanha grandeza que deixa
marcas no mundo inteiro... A Quimbanda!
Kimbanda e Quimbanda são formas gráficas similares,
entretanto, apesar de serem homófonas e possuírem a mesma raiz, o curso
histórico fez com que cada uma delas assumisse um caminho e uma identidade
própria. Kimbanda é uma palavra de origem africana, mais precisamente da língua
Kimbundo (Bantu) que significa: Sacerdote da arte de curar. Possivelmente, essa
expressão seja a junção de KI-MBANDA. Sob tal prisma, o Kimbanda era o Alto
Sacerdote curandeiro e conselheiro que evocava e invocava os espíritos para
sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de suas tribos. A palavra
Kimbanda é similar à palavra Nganga (também de origem Bantu, entretanto no
dialeto Quicongo) o “curandeiro das ervas que carrega a sabedoria e o
conhecimento” ou “sacerdote que consegue comunicar-se com o outro mundo".
Ambas as palavras simbolizam o sacerdote curandeiro, fitoterapeuta,
conselheiro, interventor, aquele que se comunica com os espíritos em prol de
seu vilarejo, seu povo e todos que os procuram. Entretanto, a palavra Kimbanda
também se confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e
no Brasil.
A Kimbanda, assim como outros cultos afros, veio ao Brasil
através do processo escravista. Ao longo dos séculos XV e XVI Portugal exerceu
um forte domínio em alguns locais da costa africana através de feitorias e pelo
meio desses pontos iniciou seu obscuro comércio.
Como a escravidão já era uma prática existente entre as
próprias tribos africanas, não tardou para que os conquistadores portugueses
estabelecessem vínculos comerciais com autoridades locais e firmassem
lucrativos acordos. Dessa forma o negro adentrou na Europa, nas ilhas
caribenhas e no território brasileiro. Os escravos capturados na África eram
prisioneiros de guerra, feiticeiros, assassinos, adúlteros ou nos casos mais
graves, indivíduos trocados por chefes tribais ou penhorados por dívidas. A
procedência dos escravos cursava toda a costa oeste da África, ocorrendo por
Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Eram divididos em três grupos: sudaneses,
guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus. Destaca-se esse último grupo por serem
os mais numerosos e, segundo alguns relatos de senhores de engenho, os mais
pacíficos e adaptados aos trabalhos, em contraparte aos de origem sudanesas considerados
mais fortes e inteligentes, porém, com intensas tendências às revoltas.
O negro aportou em terras brasileiras e junto vieram
diversas espécies de sacerdotes, todavia, conjuntamente aportaram os temidos
Mulôjis e os Ndokis. Ao contrário dos Kimbandas, esses não eram sacerdotes de
cura e equilíbrio, eram feiticeiros necromantes (por vezes mercenários) que
conheciam as artes mais temidas oriundas de um tempo que não conseguimos datar.
Segundo o “Dicionário de Kimbundu-Português” de António de Assis Júnior, Mulôji
é: Feiticeiro, condutor das forças ocultas maléficas (t. kimbundu).
O povo africano que estava em solo brasileiro teve um árduo
processo de adaptação. A ação escravocrata trouxe ao Brasil milhares de
Africanos e dezenas de Nações aportaram e foram distribuídas como mercadoria
por todo território. Tudo era novo, inclusive a condição de escravo.
Obviamente, muitos se revoltaram com tal situação e assim que podiam fugiam de
seus cativeiros mata adentro. Outros, mesmo revoltados acabaram aceitando a
escravidão e procuraram camuflar ou sincretizar suas crenças com a cultura
dominante (cristita europeia) e por fim, existiram os negros que realmente se
converteram e aceitaram seu destino de forma mais pacífica. Três comportamentos
ocorreram concomitantemente: A revolta, a aceitação parcial e a aceitação
completa.
"As convicções religiosas dos escravos eram,
entretanto, colocadas a duras provas quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde
eram batizados obrigatoriamente para a salvação de sua alma e deveriam
curvar-se a doutrina dos seus mestres...” (Pierre Fatumbi Verger- Orixás,
deuses iorubas na África e no Novo Mundo)
Nosso foco está direcionado aos negros cuja aceitação foi
parcial e principalmente aos que se revoltaram contra o sistema. Como o Brasil
colônia era uma terra de grandes dimensões e distante do Reino (Portugal) a
vigilância da Igreja não foi tão intensa quanto era na Europa. Isso deu margem
para um desapego aos costumes cristãos e um fortalecimento do sincretismo entre
os povos.
O negro africano encontrou em terras brasileiras uma cultura
local que também passou por árdua perseguição: Os povos indígenas do Brasil.
Descendentes de linhagens de caçadores da América do Norte que atravessaram via
istmo do Panamá, segundo estudos publicados por órgãos oficiais do Brasil,
encontram-se em terras sul-americanas há pelo menos sete mil anos. Com raízes
culturais muito profundas e um sistema de crenças baseado na natureza (fauna e
flora), nos espíritos ancestrais, no poder das ervas e na vida após a morte, os
índios tinham na figura dos Pajés (Xamãs) um elo de conexão entre o mundo
visível e o invisível. Pajés eram seres que entravam em transe (às vezes
extáticos) e se comunicavam com seres celestes através de invocações e
evocações. Esses feiticeiros tinham poder sobre os animais e espíritos da
floresta, eram sacerdotes médicos que trabalhavam com forças fitoterápicas e
suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos. Um Pajé exercia a
mesma atividade que um Kimbanda.
Toda história que envolve os índios no Brasil é controversa,
pois todos os documentos que retratam a época do Brasil colônia são
tendenciosos e manipuladores. Mesmo que esse livro seja direcionado à
Quimbanda, temos de traçar uma linha histórica para que todos compreendam os enlaces
que geraram a religião.
É sabido que os Padres Jesuítas foram os primeiros a ter
contato direto com os índios. Esses 'arautos da cruz' nada mais eram do que
soldados em missão da Igreja Católica, pois atendiam a função de “controladores
das almas” em prol do fortalecimento do Estado e impediam os avanços da Reforma
Protestante. Esses padres tinham por objetivo ensinar a língua portuguesa ou
espanhola, edificar escolas e principalmente transmitir a fé católica e os
costumes europeus. Essa prática ocorreu em território brasileiro, africano,
chinês e indiano.
"Países católicos, trouxeram junto com os navios
desbravadores, os sacerdotes, os quais tinham a missão de expandir a fé para
essas novas terras. Encontraram sociedades nativas com costumes totalmente
diversos, ou como diria o antropólogo Lévi Strauss, os europeus encontraram
"outra humanidade”. (Juberto dos Santos - www.catequisar.com.br)
Os padres jesuítas combatiam as práticas nativas instituindo
uma cultura ao pecado'. Nudismo, poligamia, as práticas religiosas, o
canibalismo, enfim, toda cultura e tradição indígena sofreu inúmeras tentativas
de persuasão antes da perseguição propriamente dita. Entretanto, parte do povo
indígena impôs restrição (através de batalhas sangrentas) a essa invasão. A história
relata que a relação entre índios e europeus teve fases muito diversas. A
princípio os europeus acreditavam que os índios eram facilmente manipuláveis e
quando perceberam o poder de embate, entenderam que deveriam atacar o âmago das
tribos, ou seja, corromper os dirigentes (Caciques). Como as etnias indígenas
viviam em constante guerra (intertribais), os europeus se aproveitaram para
estabelecer relações proveitosas e garantir espaços e tratados comerciais
favoráveis. Como a França e a Espanha disputavam territórios com Portugal, a
aliança com os índios ocorreu em ambas as partes e tribos rivais se enfrentavam
em nome dos Reis da Europa. Podemos ver isso no incidente histórico denominado
“A Confederação dos Tamoios” em 1575, onde 2.500 índios foram chacinados pela
Coroa Portuguesa. Algumas dessas tribos praticavam a escravatura e, quando seus
inimigos caiam em mãos opostas se tornavam objetos de troca. Toda uma nova
política foi feita através dessas alianças.
Os caciques foram o grupo escolhido para aprender a escrita
e a leitura. Eram doutrinados pelos ditames religiosos e agiam em suas tribos
como propagador da religião. Essa tática funcionava muito bem e facilitava o
processo de conversão. Além disso, muitos índios (na fase de infância) eram mandados
à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil como
“espelhos', referência de como os demais deveriam ser. Toda essa destruição
cultural fez com que a identidade dos índios fosse acabando... Dois séculos de
Igreja Católica dizimaram milhares de anos de tradições enraizadas.
"O que resultou da pregação jesuítica não foi, porém,
um índio convertido, mas um índio subjugado, domesticado, que vendo
desmoralizado os costumes a que estava arraigado, sem ter assimilado a fé que
quiseram impor, não encontravam nem forças para viver.” (Berta G. Ribeiro - O
Índio na História do Brasil- Editora Global - 2009).
"...A educação é exatamente isso, uma maneira de
transmitir esse modo herdado e a maneira inata de se viver. O homem é o todo de
suas relações, pois recebe as mesmas influências arquetípicas que todos os
homens de seu grupo social recebem, mesmo sendo individual e possuindo
características únicas. Se perder essa participação arquetípica de seu mundo, o
homem está morto, mesmo que não fisicamente, ele agora é um defunto que não
possui mais funções perante a vida.” (O Mito Cristão contra Guaixará e os
outros diabos.Educação e conversão Século XVI e XVII - Sady Carnot -
Piracicaba, SP. 2006)
Nessa história toda sabemos que ocorreu a escravidão de
negros e de índios em terras brasileiras. A Igreja foi uma instituição omissa
que permitiu a compra e venda de prisioneiros e que contribuiu com o declínio e
destruição de muitas etnias indígenas. Alguns alegam que a Igreja repudiava a
escravidão (e existem até bulas papais sobre o assunto), outros que a Igreja
legitimava a escravidão, certo é que, independente de documentação histórica a
Igreja esteve presente durante esse período e não são poucos os relatos de
atrocidades e castigos físicos que a própria impingiu em negros, índios e nos
próprios europeus. A ação de catequese era uma via de duas mãos, pois diminuía
a ferocidade dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo
de colonização.
A visão acerca dos índios foi um tanto quanto diferente da
dos negros, pois os colonos alegavam que eram indolentes, preguiçosos e que não
tinham resistência alguma às doenças. Outros alegaram que os índios
escravizados eram como animais selvagens e preferiam morrer a trabalhar. Certo
é que o comércio de escravos africanos movimentava dinheiro à Metrópole, algo
que o indígena não fazia e, por tal vantagem, acabou suplantando o escravismo
indígena no Brasil e institucionalizando o tráfico negreiro.
Podemos afirmar que o contato entre negros, índios e
colonizadores foi muito intenso. Um verdadeiro ‘caldeirão' cultural borbulhava
em terras brasileiras onde Deuses e Deusas se fundiam numa velocidade dantes
nunca vista, e novas religiões ou novas formas de culto às antigas religiões
nasceram dessa fusão cultural. Entretanto, um Espírito, dantes não cultuado
pelas culturas nativas despontava como açoite dos costumes religiosos cristãos.
Seu nome era: Diabo.
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