quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Quimbanda audiobook parte 01






Quimbanda audiobook parte 01

Brasil, terra formada por muitas etnias, local escolhido por antigos Deuses para uma fusão sociocultural, onde as raças se misturaram formando novos credos e cultos, onde ameríndios, africanos e europeus deixaram a rigidez de suas formações primárias e deram vazão ao novo, ao desconhecido e ao desbravador. Uma região abençoada e amaldiçoada foi a terra fértil que capacitou a formação de uma corrente evolutiva de tamanha grandeza que deixa marcas no mundo inteiro... A Quimbanda!
Kimbanda e Quimbanda são formas gráficas similares, entretanto, apesar de serem homófonas e possuírem a mesma raiz, o curso histórico fez com que cada uma delas assumisse um caminho e uma identidade própria. Kimbanda é uma palavra de origem africana, mais precisamente da língua Kimbundo (Bantu) que significa: Sacerdote da arte de curar. Possivelmente, essa expressão seja a junção de KI-MBANDA. Sob tal prisma, o Kimbanda era o Alto Sacerdote curandeiro e conselheiro que evocava e invocava os espíritos para sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de suas tribos. A palavra Kimbanda é similar à palavra Nganga (também de origem Bantu, entretanto no dialeto Quicongo) o “curandeiro das ervas que carrega a sabedoria e o conhecimento” ou “sacerdote que consegue comunicar-se com o outro mundo". Ambas as palavras simbolizam o sacerdote curandeiro, fitoterapeuta, conselheiro, interventor, aquele que se comunica com os espíritos em prol de seu vilarejo, seu povo e todos que os procuram. Entretanto, a palavra Kimbanda também se confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e no Brasil.
A Kimbanda, assim como outros cultos afros, veio ao Brasil através do processo escravista. Ao longo dos séculos XV e XVI Portugal exerceu um forte domínio em alguns locais da costa africana através de feitorias e pelo meio desses pontos iniciou seu obscuro comércio.
Como a escravidão já era uma prática existente entre as próprias tribos africanas, não tardou para que os conquistadores portugueses estabelecessem vínculos comerciais com autoridades locais e firmassem lucrativos acordos. Dessa forma o negro adentrou na Europa, nas ilhas caribenhas e no território brasileiro. Os escravos capturados na África eram prisioneiros de guerra, feiticeiros, assassinos, adúlteros ou nos casos mais graves, indivíduos trocados por chefes tribais ou penhorados por dívidas. A procedência dos escravos cursava toda a costa oeste da África, ocorrendo por Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Eram divididos em três grupos: sudaneses, guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus. Destaca-se esse último grupo por serem os mais numerosos e, segundo alguns relatos de senhores de engenho, os mais pacíficos e adaptados aos trabalhos, em contraparte aos de origem sudanesas considerados mais fortes e inteligentes, porém, com intensas tendências às revoltas.
O negro aportou em terras brasileiras e junto vieram diversas espécies de sacerdotes, todavia, conjuntamente aportaram os temidos Mulôjis e os Ndokis. Ao contrário dos Kimbandas, esses não eram sacerdotes de cura e equilíbrio, eram feiticeiros necromantes (por vezes mercenários) que conheciam as artes mais temidas oriundas de um tempo que não conseguimos datar. Segundo o “Dicionário de Kimbundu-Português” de António de Assis Júnior, Mulôji é: Feiticeiro, condutor das forças ocultas maléficas (t. kimbundu).
O povo africano que estava em solo brasileiro teve um árduo processo de adaptação. A ação escravocrata trouxe ao Brasil milhares de Africanos e dezenas de Nações aportaram e foram distribuídas como mercadoria por todo território. Tudo era novo, inclusive a condição de escravo. Obviamente, muitos se revoltaram com tal situação e assim que podiam fugiam de seus cativeiros mata adentro. Outros, mesmo revoltados acabaram aceitando a escravidão e procuraram camuflar ou sincretizar suas crenças com a cultura dominante (cristita europeia) e por fim, existiram os negros que realmente se converteram e aceitaram seu destino de forma mais pacífica. Três comportamentos ocorreram concomitantemente: A revolta, a aceitação parcial e a aceitação completa.
"As convicções religiosas dos escravos eram, entretanto, colocadas a duras provas quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde eram batizados obrigatoriamente para a salvação de sua alma e deveriam curvar-se a doutrina dos seus mestres...” (Pierre Fatumbi Verger- Orixás, deuses iorubas na África e no Novo Mundo)
Nosso foco está direcionado aos negros cuja aceitação foi parcial e principalmente aos que se revoltaram contra o sistema. Como o Brasil colônia era uma terra de grandes dimensões e distante do Reino (Portugal) a vigilância da Igreja não foi tão intensa quanto era na Europa. Isso deu margem para um desapego aos costumes cristãos e um fortalecimento do sincretismo entre os povos.
O negro africano encontrou em terras brasileiras uma cultura local que também passou por árdua perseguição: Os povos indígenas do Brasil. Descendentes de linhagens de caçadores da América do Norte que atravessaram via istmo do Panamá, segundo estudos publicados por órgãos oficiais do Brasil, encontram-se em terras sul-americanas há pelo menos sete mil anos. Com raízes culturais muito profundas e um sistema de crenças baseado na natureza (fauna e flora), nos espíritos ancestrais, no poder das ervas e na vida após a morte, os índios tinham na figura dos Pajés (Xamãs) um elo de conexão entre o mundo visível e o invisível. Pajés eram seres que entravam em transe (às vezes extáticos) e se comunicavam com seres celestes através de invocações e evocações. Esses feiticeiros tinham poder sobre os animais e espíritos da floresta, eram sacerdotes médicos que trabalhavam com forças fitoterápicas e suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos. Um Pajé exercia a mesma atividade que um Kimbanda.
Toda história que envolve os índios no Brasil é controversa, pois todos os documentos que retratam a época do Brasil colônia são tendenciosos e manipuladores. Mesmo que esse livro seja direcionado à Quimbanda, temos de traçar uma linha histórica para que todos compreendam os enlaces que geraram a religião.
É sabido que os Padres Jesuítas foram os primeiros a ter contato direto com os índios. Esses 'arautos da cruz' nada mais eram do que soldados em missão da Igreja Católica, pois atendiam a função de “controladores das almas” em prol do fortalecimento do Estado e impediam os avanços da Reforma Protestante. Esses padres tinham por objetivo ensinar a língua portuguesa ou espanhola, edificar escolas e principalmente transmitir a fé católica e os costumes europeus. Essa prática ocorreu em território brasileiro, africano, chinês e indiano.
"Países católicos, trouxeram junto com os navios desbravadores, os sacerdotes, os quais tinham a missão de expandir a fé para essas novas terras. Encontraram sociedades nativas com costumes totalmente diversos, ou como diria o antropólogo Lévi Strauss, os europeus encontraram "outra humanidade”. (Juberto dos Santos - www.catequisar.com.br)
Os padres jesuítas combatiam as práticas nativas instituindo uma cultura ao pecado'. Nudismo, poligamia, as práticas religiosas, o canibalismo, enfim, toda cultura e tradição indígena sofreu inúmeras tentativas de persuasão antes da perseguição propriamente dita. Entretanto, parte do povo indígena impôs restrição (através de batalhas sangrentas) a essa invasão. A história relata que a relação entre índios e europeus teve fases muito diversas. A princípio os europeus acreditavam que os índios eram facilmente manipuláveis e quando perceberam o poder de embate, entenderam que deveriam atacar o âmago das tribos, ou seja, corromper os dirigentes (Caciques). Como as etnias indígenas viviam em constante guerra (intertribais), os europeus se aproveitaram para estabelecer relações proveitosas e garantir espaços e tratados comerciais favoráveis. Como a França e a Espanha disputavam territórios com Portugal, a aliança com os índios ocorreu em ambas as partes e tribos rivais se enfrentavam em nome dos Reis da Europa. Podemos ver isso no incidente histórico denominado “A Confederação dos Tamoios” em 1575, onde 2.500 índios foram chacinados pela Coroa Portuguesa. Algumas dessas tribos praticavam a escravatura e, quando seus inimigos caiam em mãos opostas se tornavam objetos de troca. Toda uma nova política foi feita através dessas alianças.
Os caciques foram o grupo escolhido para aprender a escrita e a leitura. Eram doutrinados pelos ditames religiosos e agiam em suas tribos como propagador da religião. Essa tática funcionava muito bem e facilitava o processo de conversão. Além disso, muitos índios (na fase de infância) eram mandados à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil como “espelhos', referência de como os demais deveriam ser. Toda essa destruição cultural fez com que a identidade dos índios fosse acabando... Dois séculos de Igreja Católica dizimaram milhares de anos de tradições enraizadas.
"O que resultou da pregação jesuítica não foi, porém, um índio convertido, mas um índio subjugado, domesticado, que vendo desmoralizado os costumes a que estava arraigado, sem ter assimilado a fé que quiseram impor, não encontravam nem forças para viver.” (Berta G. Ribeiro - O Índio na História do Brasil- Editora Global - 2009).
"...A educação é exatamente isso, uma maneira de transmitir esse modo herdado e a maneira inata de se viver. O homem é o todo de suas relações, pois recebe as mesmas influências arquetípicas que todos os homens de seu grupo social recebem, mesmo sendo individual e possuindo características únicas. Se perder essa participação arquetípica de seu mundo, o homem está morto, mesmo que não fisicamente, ele agora é um defunto que não possui mais funções perante a vida.” (O Mito Cristão contra Guaixará e os outros diabos.Educação e conversão Século XVI e XVII - Sady Carnot - Piracicaba, SP. 2006)
Nessa história toda sabemos que ocorreu a escravidão de negros e de índios em terras brasileiras. A Igreja foi uma instituição omissa que permitiu a compra e venda de prisioneiros e que contribuiu com o declínio e destruição de muitas etnias indígenas. Alguns alegam que a Igreja repudiava a escravidão (e existem até bulas papais sobre o assunto), outros que a Igreja legitimava a escravidão, certo é que, independente de documentação histórica a Igreja esteve presente durante esse período e não são poucos os relatos de atrocidades e castigos físicos que a própria impingiu em negros, índios e nos próprios europeus. A ação de catequese era uma via de duas mãos, pois diminuía a ferocidade dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo de colonização.
A visão acerca dos índios foi um tanto quanto diferente da dos negros, pois os colonos alegavam que eram indolentes, preguiçosos e que não tinham resistência alguma às doenças. Outros alegaram que os índios escravizados eram como animais selvagens e preferiam morrer a trabalhar. Certo é que o comércio de escravos africanos movimentava dinheiro à Metrópole, algo que o indígena não fazia e, por tal vantagem, acabou suplantando o escravismo indígena no Brasil e institucionalizando o tráfico negreiro.
Podemos afirmar que o contato entre negros, índios e colonizadores foi muito intenso. Um verdadeiro ‘caldeirão' cultural borbulhava em terras brasileiras onde Deuses e Deusas se fundiam numa velocidade dantes nunca vista, e novas religiões ou novas formas de culto às antigas religiões nasceram dessa fusão cultural. Entretanto, um Espírito, dantes não cultuado pelas culturas nativas despontava como açoite dos costumes religiosos cristãos. Seu nome era: Diabo.





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Alfavaca

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