quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Cabloco Guara


Arte criada com referência no ponto riscado (pemba) do Cabloco Guara
O design é composto por guia (fio de contas) escrevendo Cabloco Guara na bandeira nas cores e elementos que identificam a entidade.
Faz parte da coleção entidades e guias espirituais 2019.









Ele pega seu Pau de Chuva e faz barulho parecendo um guizo de cobra.
Quando a lua dormiu
O sol raiando a esperança surgiu
Eu caminhei pra mata que meu Pai é rei
Sol no céu passeando,
Eu na mata a caminhar
Folhas verdes sombreando,
Não deixando o sol passar
Sombras que vão se formando,
Pelas terras de Guará
Pelas matas vão guiando,
Esse filho de Oxalá
Eu vou lá pra ver o meu Caboclo Guará
De repente o sol dormiu
Toda mata escureceu
Com a lua que surgiu
Seu Guará apareceu
Em suave Ave Maria
Que no céu o anjo cantou
Seu Guará de lá descia
Com a noite que chegou
Eu chorei quando seu Guará me abençoou 
Filho mais velho de um cacique chamado Tucuaré, sucessor natural de seu pai no comando da aldeia. Quando o velho cacique adoece, tudo é feito para que sua saúde seja reestabelecida, o Pajé faz as pajelanças que conhece, mas o cacique não melhora e morre. Guará prepara-se, então, para assumir a chefia da aldeia, quando seus irmãos questionam esse direito natural, não permitindo que Guará seja cacique, e uma disputa pelo poder se estabelece entre eles.
Guará não aceita ter o seu direito natural à chefia da aldeia, questionado pelos irmãos e resolve não entrar em conflito, não guerrear com os irmãos, não tomar o poder à força. Retira-se para dentro da mata, magoado com os irmãos. Muitas luas se passam até que, um dia Guará resolve voltar para a aldeia, e o que encontra é um cenário de destruição. Sua aldeia já não existe mais, uma tribo inimiga a invadiu, matando todos os homens e capturando as mulheres e crianças.
Guará é, então, tomado por sentimento de tristeza e vingança. Sente uma grande dor de ver seu povo dizimado, de não ter estado lá para defendê-los, de ter suas mulheres, inclusive a que mais amava, e filhos, levados por outros guerreiros. Experimentando a sensação de não ter tomado a decisão adequada ao se exilar na mata. Novamente a mata torna-se seu refúgio. É lá passa muitas luas pensando, remoendo a culpa, e planejando qual seria a melhor maneira de ter seu povo de volta. Pensa nos irmãos, que já estão mortos, na mulher que amava, nos filhos que gerou. O desejo de vingança torna-se, pouco a pouco, muito forte e o guerreiro passa a vigiar a tribo invasora, planejando o ataque.
Um animal de grande porte é morto. Com o osso do fêmur que é pacientemente afiado numa pedra à beira rio, Guará faz uma arma com a qual vai vingar a morte dos homens e resgatar mulheres e curumins.
Noite após noite, Guará, silenciosamente, entra na aldeia e mata, cortando suas cabeças, os homens. O guerreiro não tem pressa, a cada noite executa uma parte de sua vingança, retornando sempre à mata, que agora é seu lar. Finalmente, todos os homens estão mortos.
Guará lavou em sangue a honra e a dignidade da sua aldeia e de seus guerreiros mortos.
Retorna para, então, levar de volta às suas terras, mulheres e curumins, no entanto muito tempo havia se passado e todas elas haviam se unido a outros homens e com eles procriado.
Recusaram-se a voltar, sua vida agora era ali. Guará foi, novamente, tomado por um sentimento de abandono. Tudo o que fez não surtiu o resultado esperado e ele, no desejo de vingar seu povo havia manchado suas mãos e sua alma, com o sangue de seus próprios filhos. A mata novamente o acolheu. O exílio era, agora, não questão de tempo para pensar, mas sim definitivo.
Sem pátria, sem povo, sem a mulher amada, os filhos mortos por suas próprias mãos, tornam o guerreiro um homem atormentado pela culpa. A alma do guerreiro está irremediavelmente manchada de sangue e dor. Vagar pela mata, caçar para comer e purgar a sua culpa, ocupam agora, os dias e horas de Guará.
A intimidade com a floresta faz dele um grande conhecedor de plantas e ervas, muitas delas usadas para curar.
Os índios das outras tribos, não acostumados a ver guerreiros sem aldeia e sem povo e o fato de Guará jamais se deixar ver ou comunicar-se com outras pessoas, fazem dele uma lenda. É agora tratado como ·Espírito da Floresta·, vagando entre as aldeias, sem jamais aproximar-se delas. Guará cura, com seu conhecimento e suas ervas, os índios que são deixados na mata. Quando retornam, curados, todos nas aldeias dizem que os doentes são curados pelo ·Espírito da Floresta·
Mas isso não alivia a dor do guerreiro nascido para ser cacique. Os anos de solidão só faz aumentar dentro dele a mágoa e a culpa, não consegue perdoar seus irmãos nem tão pouco perdoar a si próprio. A vida em reclusão faz dele um homem sem palavras, já não fala mais.
As vidas que salva não consolam, nem repõe a vida dos filhos, que tirou. Não suporta, nem mesmo, ver sua imagem refletida na água dos rios, e para que isso não ocorra, cobre seu corpo de lama, na tentativa de esconder-se de si mesmo.
Dias, noites, anos se passam e o guerreiro envelhece. Seu corpo maltratado pelo abandono já não consegue mais caçar para seu sustento. Deixa-se morrer, só, como viveu. Sua carne, ainda em vida é devorada pelos animais, e Guará torna-se, enfim, verdadeiramente o Espírito da Floresta.

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Alfavaca

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