sábado, 2 de março de 2019

Vossa Senhoria Maioral (parte I)







O Conceito Maioral

Dentro da Quimbanda, como dito em textos anteriores, a Arte desenvolve-se através da gnose encontrada no culto de Exu e Pombagira. Assim como em todas as vertentes religiosas, existe a concepção de um Ser Supremo, algo que está além de compreensões exotéricas e banalizadas. Tal ser é chamado de Maioral, ou ainda, o Grande Dragão Negro.
Como dito anteriormente, a Quimbanda Brasileira foi fruto da junção de três vertentes principais: Africana, Europeia e Indígena Nativa e, tais pilares construtivos, encontraram similaridades que possibilitaram a junção e criação de novos seres. Antigos livros de Quimbanda associam-na como lado reverso da Umbanda (outra religião tipicamente Brasileira), alegando que os Exus são seres em via evolucionista que policiam as Leis Universais aplicando as ditas Leis Maiores sem parâmetros morais de bem ou mal. Sob uma classificação jocosa é classificado como "lixeiro da imundície humana”, cuja função é recolher o excremento energético humano. Outros alegam que Exu, por ser um espírito admitido nas Trevas, deve ser desperto e trabalhar pelo bem da humanidade, caso contrário é apenas um ser atrasado. Essa concepção de que a Quimbanda nasceu nas sombras da Umbanda foi uma forma de segregar o trabalho desenvolvido pelos Exus e Pombagiras institucionalizando-os como personificações do “mal” e demonstrando claramente a nítida divisão cristã entre o “bem e o mal”, “Direita e Esquerda”, entre seres bons e curadores e os maléficos Exus-Diabos.
“Há que se lembrar que desde a idade média escolheu-se o Diabo como significante do mal e o signo que possibilitaria a interdição a partir do universo cultural e religioso. No universo simbólico, imaginário e cultural dos negros e dos índios não havia uma entidade que representasse o mal em sua totalidade. Essa aculturação só foi possível pelas adaptações e distorções ocorridas no arcabouço original (FERRO, Marc - História das Colonizações. Companhia das letras, São Paulo, 1996.).”
Entre os séculos XIV e XVIII a Igreja Católica (que assemelhava-se ao próprio Estado), no afã de destruir todas as manifestações religiosas hereges contrárias ao cristianismo, instituíram uma intensa perseguição denominada “Santa Inquisição”. Esse período foi uma "terra fértil” para o aparecimento de livros e manuscritos descrevendo minuciosamente o “Reino de Satanás”. Tais livros, denominados "Grimórios” (livros de encantamentos) exibiam uma rica hierarquia dos demônios, além das transcrições de seus poderes, legiões e amplitude de ação. Podemos citar o "Grimorium Verum” (Grimório da Verdade), o "Clavícula de Salomão", o "Grand Grimorium”, o “Manual do Papa Leão” (“Enchiridion Leonis Papae”), entre outras obras que ilustravam pactos demoníacos e missas diabólicas.
"Toda essa carga literária aportou nas terras brasileiras em meados do século XVI. Vindos através dos padres catequizadores e senhores da alta classe Portuguesa (e Espanhola), tais “livros inquisitórios” foram instrumentos de catequização e punição. Os povos nativos, os negros escravizados e os colonizadores receberam até o fim do século XVIII a educação religiosa que abordava as facetas do “Diabo Cristão e suas Hostes” provindas de tais obras de demonologia. Dessa forma, assentaram-se no inconsciente e consciente coletivo (através das piores maneiras) essas informações, além das já enraizadas como a luxúria, a maldade, a danação e o sexo.
A formação do conceito Maioral deu-se pelo sincretismo ocorrido entre os "Exus-Egúns” e os demônios listados como subalternos dos Maiorais do inferno. Esse sincretismo provavelmente foi iniciado pelos próprios padres católicos, haja vista que um dos métodos mais eficazes de destruírem o sagrado é a distorção do significado original do culto. Ao longo dos anos, ao invés dessa distorção ser sanada, foi absorvida e aplicada dentro do âmago do culto da Umbanda, que foi “um lago de águas paradas”, habitat perfeito para alguns descreverem as legiões de Exu as sincretizando com divindades pagãs demonizadas.
Muitas contradições ainda ocorrem dentro da Quimbanda Brasileira pelo fato de confundirem-na com o culto de “Kimbanda” e pelo processo de formação ainda ser recente e não existir um consenso entre os adeptos. As distorções fizeram do Exu um ser demonizado e classificado por analogia aos demônios descritos segundo os grimórios medievais.
Maioral aparece como um termo usado para designar Seres Espirituais que regem as legiões de Exus e Pombagiras. Dentro do processo de cristianização de Oxalá e os demais orixás africanos, a dualidade existente no cristianismo, entendida como o “Bem e o Mal” fez com que Exu assumisse o “Trono das Trevas” e fosse correlacionado à tríade maligna descrita nos antigos Grimórios composta por Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth.
O primeiro passo desse sincretismo umbandista foi classificar três Exus que assumiriam os "Tronos Maiorais”. Lúcifer foi correlacionado com “Exu Lúcifer”, Beelzebuth (Beelzebub) com “Exu Mor" e Astaroth (Ashtaroth) com “Exu Rei das Sete Encruzilhadas”. A partir dessa tríade, os demais Exus foram classificados e renomeados segundo a demonologia dos antigos grimórios.
“Diabo Maioral, ou Exu Sombra, que só raramente se manifesta no transe ritual. Ele tem como generais: Exu Marabô ou diabo Put Satanaika, Exu Mangueira ou diabo Agalieraps, Exu-Mor ou diabo Belzebu, Exu Rei das Sete Encruzilhadas ou diabo Astaroth, Exu Tranca Rua ou diabo Tarchimache, Exu Veludo ou diabo Sagathana, Exu Tiriri ou diabo Fleuruty, Exu dos Rios ou diabo Nesbiros e Exu Calunga ou diabo Syrach. Sob as ordens destes e comandando outros mais estão: Exu Ventania ou diabo Baechard, Exu Quebra Galho ou diabo Frismost, Exu das Sete Cruzes ou diabo Merifild, Exu Tronqueira ou diabo Clistheret, Exu das Sete Poeiras ou diabo Silcharde, Exu Gira Mundo ou diabo Segal, Exu das Matas ou diabo Hicpacth, Exu das Pedras ou diabo Humots, Exu dos Cemitérios ou diabo Frucissière, Exu Morcego ou diabo Guland, Exu das Sete Portas ou diabo Sugat, Exu da Pedra Negra ou diabo Claunech, Exu da Capa Preta ou diabo Musigin, Exu Marabá ou diabo Huictogaras, e Exu-Mulher, Exu Pombagira, simplesmente Pombagira ou diabo Klepoth. Mas há também os exus que trabalham sob as ordens do orixá Omulu, o senhor dos cemitérios, e seus ajudantes Exu Caveira ou diabo Sergulath e Exu da Meia-Noite ou diabo Hael, cujos nomes mais conhecidos são Exu Tata Caveira (Proculo), Exu Brasa (Haristum) Exu Mirim (Serguth), Exu Pemba (Brulefer) e Exu Pagão ou diabo Bucons.” (Exu, Aluizio Fontennelle, editora espiritualista, 1952.)
Após essa descrição demoníaca, tudo que foi publicado posteriormente absorveu esse contexto. Muitos livros foram colocados no mercado corroborando cada vez mais com essas associações. Com o movimento “Neo-Umbanda” e “Umbanda Esotérica”, essas classificações deixaram de ser aplicadas e aos poucos Exu deixou de ser demonizado e acabou sendo humanizado.

Nossa visão

A "Quimbanda Brasileira” é uma forma de culto diferenciada. Primeiramente, essa classificação demoníaca baseada em grimórios medievais não é base doutrinária adequada para nosso culto de Exu. Sob nosso entendimento, Maioral é um grande Portal composto por forças que estão além da compreensão profana. Maioral é a expressão máxima da unificação de todas as culturas e de todos os Reinos, Legiões e Povos da Quimbanda. Maioral, ou o Grande Dragão Negro, é a antítese de todas as religiões que acorrentam e submetem os seres humanos aos dogmas comportamentais, ou seja, tudo que é tido como tabu ou pecado não faz parte dessa energia. Maioral é o buraco negro que suga as lágrimas do medo e transforma-as em energia e vitalidade. Maioral é o grande trono que está na escuridão de nossos subconscientes, habitando nas nossas “feridas” e traumas. Maioral acorrenta e liberta segundo nossa força de buscar o que está além dos nossos sentidos, Maioral é o Reino dos antigos deuses demonizados e vencidos pela cegueira humana, cuja principal função é iluminar a jornada daqueles que se atrevem ajoelhar-se diante sua Luz. Maioral é a força que se rebelou quando o homem foi preso nos invólucros materiais (corpo físico), aquele que deu ao homem o direito de aprender e apreciar as artes, literatura, ciência, dança, como também, a guerra e a destruição. Maioral é a quintessência de muitos seres unificados que lutam para extinguir as formas de aprisionamento da psique humana dos que o buscam, como o ódio, a paixão, a ilusão, a soberba material, a cobiça desenfreada e a luxúria, todavia, alimenta as fornalhas qliphóticas que incendeiam a alma dos moribundos cegos e limitados. De tal forma, não podemos limitar Maioral apenas a Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth como fazem os profanos. Maioral são todos os antigos deuses fundidos na chama de Lúcifer!
Maioral agrupa em sua essência os quatro elementos formadores da estrutura cósmica: O fogo, a água, o ar e a terra, e é o próprio espírito amorfo que faz e destrói a forma dos demais elementos. Maioral é o perturbador do equilíbrio cósmico, gerador de todo movimento que não permite a estagnação e, consequentemente, a expansão do Reino de Escravidão. Maioral é a chama que ilumina o caminho, mas apenas aqueles que o buscam poderão ver essa luz.

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