O Conceito Maioral
Dentro da Quimbanda, como dito em textos anteriores, a Arte
desenvolve-se através da gnose encontrada no culto de Exu e Pombagira. Assim
como em todas as vertentes religiosas, existe a concepção de um Ser Supremo,
algo que está além de compreensões exotéricas e banalizadas. Tal ser é chamado
de Maioral, ou ainda, o Grande Dragão Negro.
Como dito anteriormente, a Quimbanda Brasileira foi fruto da
junção de três vertentes principais: Africana, Europeia e Indígena Nativa e,
tais pilares construtivos, encontraram similaridades que possibilitaram a
junção e criação de novos seres. Antigos livros de Quimbanda associam-na como
lado reverso da Umbanda (outra religião tipicamente Brasileira), alegando que
os Exus são seres em via evolucionista que policiam as Leis Universais
aplicando as ditas Leis Maiores sem parâmetros morais de bem ou mal. Sob uma
classificação jocosa é classificado como "lixeiro da imundície humana”,
cuja função é recolher o excremento energético humano. Outros alegam que Exu,
por ser um espírito admitido nas Trevas, deve ser desperto e trabalhar pelo bem
da humanidade, caso contrário é apenas um ser atrasado. Essa concepção de que a
Quimbanda nasceu nas sombras da Umbanda foi uma forma de segregar o trabalho
desenvolvido pelos Exus e Pombagiras institucionalizando-os como
personificações do “mal” e demonstrando claramente a nítida divisão cristã
entre o “bem e o mal”, “Direita e Esquerda”, entre seres bons e curadores e os
maléficos Exus-Diabos.
“Há que se lembrar que desde a idade média escolheu-se o
Diabo como significante do mal e o signo que possibilitaria a interdição a
partir do universo cultural e religioso. No universo simbólico, imaginário e
cultural dos negros e dos índios não havia uma entidade que representasse o mal
em sua totalidade. Essa aculturação só foi possível pelas adaptações e
distorções ocorridas no arcabouço original (FERRO, Marc - História das
Colonizações. Companhia das letras, São Paulo, 1996.).”
Entre os séculos XIV e XVIII a Igreja Católica (que
assemelhava-se ao próprio Estado), no afã de destruir todas as manifestações
religiosas hereges contrárias ao cristianismo, instituíram uma intensa
perseguição denominada “Santa Inquisição”. Esse período foi uma "terra
fértil” para o aparecimento de livros e manuscritos descrevendo minuciosamente
o “Reino de Satanás”. Tais livros, denominados "Grimórios” (livros de
encantamentos) exibiam uma rica hierarquia dos demônios, além das transcrições
de seus poderes, legiões e amplitude de ação. Podemos citar o "Grimorium
Verum” (Grimório da Verdade), o "Clavícula de Salomão", o "Grand
Grimorium”, o “Manual do Papa Leão” (“Enchiridion Leonis Papae”), entre outras
obras que ilustravam pactos demoníacos e missas diabólicas.
"Toda essa carga literária aportou nas terras
brasileiras em meados do século XVI. Vindos através dos padres catequizadores e
senhores da alta classe Portuguesa (e Espanhola), tais “livros inquisitórios”
foram instrumentos de catequização e punição. Os povos nativos, os negros
escravizados e os colonizadores receberam até o fim do século XVIII a educação
religiosa que abordava as facetas do “Diabo Cristão e suas Hostes” provindas de
tais obras de demonologia. Dessa forma, assentaram-se no inconsciente e
consciente coletivo (através das piores maneiras) essas informações, além das
já enraizadas como a luxúria, a maldade, a danação e o sexo.
A formação do conceito Maioral deu-se pelo sincretismo
ocorrido entre os "Exus-Egúns” e os demônios listados como subalternos dos
Maiorais do inferno. Esse sincretismo provavelmente foi iniciado pelos próprios
padres católicos, haja vista que um dos métodos mais eficazes de destruírem o
sagrado é a distorção do significado original do culto. Ao longo dos anos, ao
invés dessa distorção ser sanada, foi absorvida e aplicada dentro do âmago do
culto da Umbanda, que foi “um lago de águas paradas”, habitat perfeito para
alguns descreverem as legiões de Exu as sincretizando com divindades pagãs
demonizadas.
Muitas contradições ainda ocorrem dentro da Quimbanda
Brasileira pelo fato de confundirem-na com o culto de “Kimbanda” e pelo
processo de formação ainda ser recente e não existir um consenso entre os
adeptos. As distorções fizeram do Exu um ser demonizado e classificado por
analogia aos demônios descritos segundo os grimórios medievais.
Maioral aparece como um termo usado para designar Seres
Espirituais que regem as legiões de Exus e Pombagiras. Dentro do processo de
cristianização de Oxalá e os demais orixás africanos, a dualidade existente no
cristianismo, entendida como o “Bem e o Mal” fez com que Exu assumisse o “Trono
das Trevas” e fosse correlacionado à tríade maligna descrita nos antigos
Grimórios composta por Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth.
O primeiro passo desse sincretismo umbandista foi
classificar três Exus que assumiriam os "Tronos Maiorais”. Lúcifer foi
correlacionado com “Exu Lúcifer”, Beelzebuth (Beelzebub) com “Exu Mor" e
Astaroth (Ashtaroth) com “Exu Rei das Sete Encruzilhadas”. A partir dessa
tríade, os demais Exus foram classificados e renomeados segundo a demonologia dos
antigos grimórios.
“Diabo Maioral, ou Exu Sombra, que só raramente se manifesta
no transe ritual. Ele tem como generais: Exu Marabô ou diabo Put Satanaika, Exu
Mangueira ou diabo Agalieraps, Exu-Mor ou diabo Belzebu, Exu Rei das Sete
Encruzilhadas ou diabo Astaroth, Exu Tranca Rua ou diabo Tarchimache, Exu
Veludo ou diabo Sagathana, Exu Tiriri ou diabo Fleuruty, Exu dos Rios ou diabo
Nesbiros e Exu Calunga ou diabo Syrach. Sob as ordens destes e comandando
outros mais estão: Exu Ventania ou diabo Baechard, Exu Quebra Galho ou diabo
Frismost, Exu das Sete Cruzes ou diabo Merifild, Exu Tronqueira ou diabo
Clistheret, Exu das Sete Poeiras ou diabo Silcharde, Exu Gira Mundo ou diabo
Segal, Exu das Matas ou diabo Hicpacth, Exu das Pedras ou diabo Humots, Exu dos
Cemitérios ou diabo Frucissière, Exu Morcego ou diabo Guland, Exu das Sete
Portas ou diabo Sugat, Exu da Pedra Negra ou diabo Claunech, Exu da Capa Preta
ou diabo Musigin, Exu Marabá ou diabo Huictogaras, e Exu-Mulher, Exu Pombagira,
simplesmente Pombagira ou diabo Klepoth. Mas há também os exus que trabalham
sob as ordens do orixá Omulu, o senhor dos cemitérios, e seus ajudantes Exu
Caveira ou diabo Sergulath e Exu da Meia-Noite ou diabo Hael, cujos nomes mais
conhecidos são Exu Tata Caveira (Proculo), Exu Brasa (Haristum) Exu Mirim
(Serguth), Exu Pemba (Brulefer) e Exu Pagão ou diabo Bucons.” (Exu, Aluizio
Fontennelle, editora espiritualista, 1952.)
Após essa descrição demoníaca, tudo que foi publicado
posteriormente absorveu esse contexto. Muitos livros foram colocados no mercado
corroborando cada vez mais com essas associações. Com o movimento “Neo-Umbanda”
e “Umbanda Esotérica”, essas classificações deixaram de ser aplicadas e aos
poucos Exu deixou de ser demonizado e acabou sendo humanizado.
Nossa visão
A "Quimbanda Brasileira” é uma forma de culto
diferenciada. Primeiramente, essa classificação demoníaca baseada em grimórios
medievais não é base doutrinária adequada para nosso culto de Exu. Sob nosso
entendimento, Maioral é um grande Portal composto por forças que estão além da
compreensão profana. Maioral é a expressão máxima da unificação de todas as
culturas e de todos os Reinos, Legiões e Povos da Quimbanda. Maioral, ou o
Grande Dragão Negro, é a antítese de todas as religiões que acorrentam e
submetem os seres humanos aos dogmas comportamentais, ou seja, tudo que é tido
como tabu ou pecado não faz parte dessa energia. Maioral é o buraco negro que suga
as lágrimas do medo e transforma-as em energia e vitalidade. Maioral é o grande
trono que está na escuridão de nossos subconscientes, habitando nas nossas
“feridas” e traumas. Maioral acorrenta e liberta segundo nossa força de buscar
o que está além dos nossos sentidos, Maioral é o Reino dos antigos deuses
demonizados e vencidos pela cegueira humana, cuja principal função é iluminar a
jornada daqueles que se atrevem ajoelhar-se diante sua Luz. Maioral é a força
que se rebelou quando o homem foi preso nos invólucros materiais (corpo
físico), aquele que deu ao homem o direito de aprender e apreciar as artes,
literatura, ciência, dança, como também, a guerra e a destruição. Maioral é a
quintessência de muitos seres unificados que lutam para extinguir as formas de
aprisionamento da psique humana dos que o buscam, como o ódio, a paixão, a
ilusão, a soberba material, a cobiça desenfreada e a luxúria, todavia, alimenta
as fornalhas qliphóticas que incendeiam a alma dos moribundos cegos e
limitados. De tal forma, não podemos limitar Maioral apenas a Lúcifer,
Beelzebuth e Astaroth como fazem os profanos. Maioral são todos os antigos
deuses fundidos na chama de Lúcifer!
Maioral agrupa em sua essência os quatro elementos
formadores da estrutura cósmica: O fogo, a água, o ar e a terra, e é o próprio
espírito amorfo que faz e destrói a forma dos demais elementos. Maioral é o
perturbador do equilíbrio cósmico, gerador de todo movimento que não permite a
estagnação e, consequentemente, a expansão do Reino de Escravidão. Maioral é a
chama que ilumina o caminho, mas apenas aqueles que o buscam poderão ver essa
luz.
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