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Definitivamente, Kimbanda não é o culto ao diabo,
entretanto, quando observamos o culto Bantu da Kimbanda como resistência ao
escravismo, a Igreja Católica e à corrupção sociocultural, entendemos que se
trata de um culto opositor. Incompreendido, tornou-se uma vertente diabólica
completamente corrompida.
Nós, apesar de propagarmos a Quimbanda, entendemos que o
nome é apenas uma forma de agradecer, glorificar e dar continuidade ao legado
dos índios, negros e feiticeiros europeus pelo embate que fizeram a uma
religião onde os opositores eram os verdadeiros escravos. Tudo que acreditamos
foi construído pelo sangue dos nossos antepassados, baseados na mistura de suas
crenças, de seus temores e amores. Somos aqueles que deram continuidade à
tradição dos totens macabros, às estátuas com chifres e rabos e aos feitiços
que corrompiam a estrutura de uma fé. Não queremos o retorno da pureza, pois
vivemos em estado de embate diariamente e necessitamos da força dos espíritos
antepassados para impingirmos o medo, o pânico e a fobia nos descendentes dos
colonizadores. Quimbanda é a religião da Liberdade!
A Quimbanda não é e nunca será uma prática da Umbanda, pois
não aceitamos os ideais de embranquecimento ditados pela mesma. Pouco nos
importamos com o que acham das nossas práticas aparentemente populares e
edificamos o ideal esotérico de que a Quimbanda é uma expressão do “Mal”,
principalmente pelo fato de acreditarmos que o “Mal” vence as ilusões e age
como opositor das correntes morais e éticas que adoecem o livre pensar e viver.
Se o cristianismo é a 'religião dos bons e puros', a Quimbanda é a religião da
evolução e do desprendimento. Os fracos de espírito jamais entenderão a
dimensão de seu estado de escravo dentro do regime opressivo.
Somos a codificação do popular, a voz dos revoltados, a mais
profunda escuridão e o mistério da lágrima dos cativos. O verdadeiro adepto
possui o fogo desses ancestrais dentro de si, suas almas são vermelhas e
pretas, não só pelo urucum e pelo jemoúna, mas em alusão a Satanás, o 'grande'
inimigo cristão (características herdadas de Deuses como Seth, Pan e Saturno).
Seus olhos enxergam no escuro e sua fé é no poder de manter distante de si tudo
que pode atrapalhar a liberdade de viver aquilo que entende como sendo correto.
Somos o legado dos caldeirões e o resultado da evolução tribal que não perdeu a
chama da vingança.
A Quimbanda se diferencia do culto aos Orixás pelo fato de
não usar as forças da natureza para alcançar suas metas e desejos, mas sim a
força ancestral do mundo dos mortos. Espíritos sábios e repletos de força são
chamados através das práticas religiosas para intervir na vida e no destino de
seus assistidos. Geralmente os espíritos que trabalham na corrente da Quimbanda
são antigos Xamãs, Mestres Caboclos, Bruxos, Alquimistas, Feiticeiros,
Guerreiros, Assassinos, dentre outros que se encaixam na vibração energética do
culto exercendo suas forças nas linhas de Exu e Pombagira (consorte feminino).
Exu é o ícone da Quimbanda, não está nem a direita, nem a
esquerda de ninguém, pois possui duas cabeças no mesmo corpo. É um nome e um
título que vem acompanhado de uma alcunha, um poder ou associado a
ancestralidade. Foi empurrado para dentro do lago de enxofre do inferno cristão
tornando-se agente do maleficio, confundido com Alma, humanizado e dividido por
funções.
Somos a mistura dos Pajés, Mulôjis com as feiticeiras Boca
Torta, Nóbrega, Arde-lheo-rabo, Mija vinagre, dentre tantas outras. Nossos
diabos alimentam-se das nossas chagas em troca da verdadeira Luz.
Como citado anteriormente, a grande maioria dos negros que
vieram na condição de escravos já possuíam o entendimento acerca da dualidade e
do embate existente entre ambas as forças, onde de um lado estava Deus e do
outro o Diabo. O que eles não imaginavam é que a pressão exercida pelos colonos
capturasse suas religiões nativas e as colocasse na mesma posição, ou seja, de
um lado Orixá e do outro Exu. Isso foi se entranhando de tal forma no Brasil
colônia que não existia mais uma identidade desprovida de influência.
"Exu, Bará ou Elegbará é um santo ou orixá que os
afro-baianos têm grande tendência a confundir com o diabo. Tenho ouvido mesmo
de negros africanos que todos os santos podem se servir de Exu para mandar
tentar ou perseguir a uma pessoa. Em uma altercação qualquer de negros, em que
quase sempre levantam uma celeuma enorme pelo motivo mais fútil, não é raro
entre nós ouvir-se gritar pelos mais prudentes: Fulano olha Exu! Precisamente
como diriam velhas beatas: Olha a tentação do demônio! No entanto, sou levado a
crer que esta identificação é apenas o produto de uma influência do ensino
católico.” (Raimundo Nina Rodrigues- O animismo fetichista dos negros baianos-
Rio de Janeiro -UFRJ/Biblioteca Nacional, 2006.).
Em contrapartida, os índios (que tiveram enorme contato com
a cultura cristita) também já haviam absorvido muitos conceitos. Como os
cristãos europeus entendiam que a única fé verdadeira era no seu Deus e seus
ídolos, tudo que fugia desse orbe era considerado maligno. De uma forma ou
outra, houve um embate, uma luta dos nativos que não aceitavam essa nova forma
de culto, esse novo Deus e os sacerdotes que apenas ilustravam a salvação da
alma e não curavam doenças e faziam outros sortilégios que os Pajés costumavam
fazer.
Como o homem europeu vivia a dicotomia entre o bem e no mal,
um dualismo resultante dos séculos de imposições cristitas, “transpirava” o
medo de ser influenciado pelas forças malignas que tanto embasavam em suas
pregações. Quando se viam diante a líderes tribais ferozes e contrários à
instalação de seus mitos em terra nativa, tornavam-se presa. O jogo psicológico
dos antigos foi o início da Tradição que veio se tornar a Quimbanda, ou seja, a
oposição usou da própria limitação cristita para programar o medo e a aversão.
Existiam índios revoltados que criavam núcleos de
resistência dentro das matas, longe do homem branco português, pintavam seus
corpos de vermelho (sementes de Urucum) ou preto (cinzas ou jemoúna), fumavam,
bebiam seus preparados e alguns comiam carne dos inimigos (principalmente os
Tupinambás). Morriam e não eram convertidos, defendiam seus espaços e suas
famílias, honravam seus Deuses e seus mortos. Erguiam 'totens' com crânios,
partes humanas e animais, impingiam medo nos seus perseguidores e propagavam
lendas que eram verdadeiros pesadelos. Por conhecerem a fé e os pontos fracos
de seus inimigos, usavam essa camuflagem para se proteger. Isso não impedia que
índios de outras tribos submissas à coroa não levassem os caçadores portugueses
a esses refúgios para matar e escravizar os rebeldes.
Os negros e os ameríndios fundiram suas culturas dentro de
um árduo processo, ora nas batalhas em que ficavam de lados opostos, ora nos
cativeiros em que eram mantidos como escravos. As culturas foram se moldando e,
mesmo com a enorme problemática de reconhecimento, a religião também. Contudo,
os povos acabaram se fundindo. Esse intercâmbio movimentou todo um novo
conhecimento acerca da fauna, flora, dos Deuses nativos, dos Deuses africanos e
de suas relações com os ícones cristãos. A Quimbanda Brasileira acredita que em
determinados momentos, os negros e os índios se associaram para promover as
fugas das senzalas, pois os índios eram profundos conhecedores das matas. Os
fugitivos corriam pela mata adentro para locais bem distantes dos centros onde
ocorria grande concentração de escravos e, após escolher um local apropriado e
protegido, fundavam vilarejos para abrigar os negros e índios rebeldes. Assim
como existiam índios que eram submissos e apontavam as localidades das tribos
rebeldes, índios e mestiços (descendentes de brancos e índios) faziam o papel
de algozes desses negros fugitivos.
Alguns vilarejos rebeldes, mais tarde denominados como
Quilombos, abrigavam não só negros e índios como também brancos fugitivos,
mulatos e cafuzos
(descendentes de índios e negros eram visto como 'escória
social pelos conservadores portugueses). A religião, dantes podada por colonos
e anteriormente pelos jesuítas volta existir, mas com algumas características
novas herdadas do sincretismo motivado pelo intenso processo de fusão cultural,
pois dentro de um mesmo espaço muitas vezes existiam descendentes de diversas
nações.
Dentro desse processo de fuga e criação dos quilombos, os
Kimbandas e outros sacerdotes e sacerdotisas afro exerceram um papel
fundamental, curavam os negros mutilados, doentes e em trabalho de parto, eram
conselheiros e mantinham a chama da fé acesa, lutavam contra os grilhões dos
senhores de engenho e procuravam facilitar a ida dos negros para os vilarejos
ocultos, muitas vezes usando seus poderes contra os capatazes que guardavam os
escravos. Dentro da Tradição Oral, é dito que esses Kimbandas faziam os guardas
dormirem e ofertavam à Pambu Njila cachaça e fumo para que abrisse os caminhos
para as fugas, protegendo os negros ao longo da jornada.
Certo, é que, todos os deuses africanos correlatos de Èsú
passaram pelo mesmo processo de demonização, entretanto, a figura “Diabo Exu”
também foi fruto de outros sincretismos. Dentro dessa massa formadora do “Diabo
Brasileiro” destacam-se os representantes das culturas africanas Bantu (Pambu
Njila, Aluvaiá, Mavile, dentre outros) e Fon (Elegbara), da cultura indígena os
Guarani (Kurupi – Deus da Sexualidade) e Tupi-Guaraní (Anhangá e Ticê – Deus e
Deusa das Trevas, Guandirô – Deus da Noite que bebia sangue, Pirarucú – Deus
maligno que mora no fundo dos rios, dentre outros), além de mitos e lendas que
se agregaram ao novo
Ser.
Como Èsú já havia atravessado a ‘Kalunga Grande sincretizado
com os demônios cristitas, em um novo território, cultuado com diferenças do
africanismo original, tornou-se um marcante instrumento usado pelos negros
africanos como forma de apavorar seus perseguidores. Da mesma forma que os índios
criavam 'totens' erguidos no meio da mata, os negros não tardaram a esculpir
novas imagens de Exu repletas de fundamentos diabólicos para agir da mesma
forma. Temos uma concepção particular que dentro desse novo conceito de Exu, os
Mulôjis (feiticeiros Kimbundos) e os Ndokis (feiticeiros Quicongos) tiveram uma
enorme influência. Não era apenas uma forma de assustar os inimigos, mas uma
nova descarga energética que gerava um Ser poderoso e maléfico, bom e protetor
para os seus, possuidor das raízes que se entrelaçaram em novas espécies
formando um novo jardim. Não tardou para a fama desse Ser se espalhar pelos
quatro pontos como forte aliado dos povos rebeldes.
O Brasil colônia, ao contrário do que a grande maioria foi
ensinada, não foi um território onde a Igreja Católica esteve tão presente,
principalmente nos dois primeiros séculos.
"...Distantes do reino, submetidos a uma vigilância
clerical realizada sem a mesma constância e intensidade daquela exercida na
metrópole, o catolicismo acabou no Brasil por ganhar novos contornos:
amenizadas as cobranças sobre os atos praticados, avançou na direção de um
diminuto apego às missas, de uma menor preocupação com o comportamento, e
também, do sincretismo.” (Angelo Adriano Faria de Assis – Doutor em História
pela UFF; Professor Adjunto II – UFV- Feiticeiras da Colônia. Magia e Práticas
de Feitiçaria na América - Mneme - Revista de Humanidades. UFRN)
A miscigenação racial também proporcionou a miscigenação
religiosa e naturalmente, através dos inúmeros sincretismos, a religião, bem
como a espiritualidade popularizou-se em muitos aspectos. Isso ocorreu em uma
sociedade em formação com constante movimento imigratório e emigratório. Essa
forma menos hostil de lidar com a fé e figuras sagradas fez com que muitos aspectos
do catolicismo fossem ‘maculados'.
Uma informação deveras importante é que os índios e os
negros no processo de vivência encontraram influências de outras tradições: A Pagã
e a Judaica. Muitos homens e mulheres condenados pelos Tribunais do Santo Ofício,
pela prática de bruxaria elou feitiçaria eram deportadas para a colônia
portuguesa como forma de exílio. Atracaram em terras brasileiras bruxos,
bruxas, feiticeiros e feiticeiras de Tradição Medieval, juntamente com muitos
neoconvertidos do judaísmo. Muitos neoconversos judaizavam ocultamente e
acabaram propagando sua religiosidade em terras coloniais. Esses fortes
elementos foram colocados na panela de Exu'.
As feiticeiras medievais muitas vezes eram adeptas de
correntes que usavam a corrupção dos elementos católicos para a realização de
seus intentos mágicos. Rezavam e praguejavam em nome da Cruz das Santas Almas,
bem como faziam feitiços de amarração e fidelidade. Esses feitiços tornaram-se
extremamente populares e requisitados, inclusive pelos senhores e senhoras
abastados da sociedade em formação.
As feiticeiras europeias tiveram grande contato com índios e
negros. Isso fez com que todo esse conhecimento fosse mesclado e, a partir
desse exato momento, Exu realmente recebesse o status de diabo com novo vigor.
"Filtros, mágicas, feitiçarias, simpatias, adivinhos,
beberagens, poções, rezas e orações também se imputavam poderes milagrosos.
Para o bem e para o mal, envolvendo acordos com deus e o diabo. Não eram raros
os oferecimentos e práticas mágicas para recuperar ou retirar a saúde de
alguém, trazer riquezas, gerar ruína, amaldiçoar casais ou pessoas, conquistar
e manter fiel o homem ou a mulher amada para toda a vida...”. (Angelo Adriano
Faria de Assis – Doutor em História pela UFF; Professor Adjunto II – UFV-
Feiticeiras da Colônia. Magia e Práticas de Feitiçaria na América - Mneme –
Revista de Humanidades. UFRN)
O medo da ascensão dos neoconversos e os relatos das
práticas pagãs, incluindo negros, índios e europeus, fizeram com que a
Metrópole enviasse ao Brasil colônia o "Malleus Maleficarum” e iniciasse
um processo de limpeza'. A partir desse ponto, toda e qualquer prática
religiosa não compreendida pelos ditames católicos era tida como diabólica.
"Perseguidos durante muito tempo, há poucos documentos
ou registros históricos sobre elas. E, entre esses, os mais frequentes são
produzidos pelos órgãos ou instituições que combateram essas religiões e as
apresentaram de forma preconceituosa ou pouco esclarecedora de suas reais
características. É O caso da visitação do Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição, nos quais estão registrados os processos de julgamento de muitos
adeptos dos cultos afrobrasileiros e que foram perseguidos sob a acusação de
praticarem 'bruxaria pela Igreja Católica Colonial.” Vagner Gonçalves da Silva
- Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira. - Editora Selo Negro -
2a Edição, 2005.
O tempo passou e ocorreu um endurecimento por parte dos
dominantes. Os feiticeiros(as), além de perseguidos pela Igreja, eram alvo da Lei.
Todos reconheciam o poder desses “Amantes do Diabo” e usaram métodos diversos
para cercear a apansão. Ciclicamente, mas de formas diversas, sempre ocorreu e
ocorrerá uma perseguição. Os verdadeiros feiticeiros guardam em si a arte da
camuflagem, pois necessitam se esconder sem deixar suas essências de lado. E a
lógica da feitiçaria de defesa.
Nossa gnose nos leva até esse ponto. Tudo que posteriormente
falaram de Quimbanda está intimamente conectado ao desenvolvimento da Umbanda
do Brasil. Isso já foge da nossa alçada e da nossa vontade, haja vista que não
existe relação alguma entre ambas.
O continente africano sempre foi objeto de cobiça e disputa
pelos povos. A história marca como o princípio, o estabelecimento dos povos
fenícios por volta do século X a.C. Posteriormente, gregos, romanos, vândalos,
árabes e por fim, entre os séculos XIII e XIV, os Estados formados na Europa.
Toda essa influência certamente moldou muitos aspectos religiosos, entretanto,
focamos no período de colonização europeia, pois foi quando as palavras Diabo,
Demônio', 'Satanás, Beelzebuth'e ‘Lúcifer’adentraram efetivamente nesses
territórios.
Junto aos primeiros exploradores/colonizadores europeus que
fizeram suas incursões na África, estiveram sacerdotes cristãos (Missionários).
O primeiro impacto que os mesmos tiveram ao encontrarem os povos nativos foi
que aquela terra era regida por forças malignas e que transpirava pecado.
Temperaturas elevadas, pessoas negras, nudismo, poligamia, grandes animais
selvagens, território hostil e deuses cultuados com sacrifício animal. De todos
os Deuses africanos (para os sacerdotes cristãos todos eram formas atrasadas),
destacou-se Esú. Esse Deus de origem Yorubá é o princípio da comunicação entre
o Aiyè (astral) e o Orum (material) dos homens e dos deuses. Simboliza o
crescimento, a mudança e a força dinâmica de toda criação
Entretanto, esse Deus, chamado pelos povos Fons de Elegbara
representava força motriz dinâmica e, dentre seus símbolos, destacavam-se as
formas fálicas associadas às atividades sexuais. Foi exatamente isso que mais
escandalizou os primeiros exploradores e sacerdotes missionários.
Sangue de sacrifício, pessoas de pele negra, ambiente
selvagem e por vezes hostil, nudismo, falta de concepção de pecado e um Deus
fálico que regula toda essa força. Resultado: Esú era o Príapo africano; uma
das formas de Satanás e seus anjos caídos e, consequentemente, o ódio, maldade
e perversidade que iam de encontro ao ‘misericordioso deus cristita'.
"Os negros reconhecem em Sată o poder da possessão,
pois o denominam comumente Elegbara, isto é, aquele que se apodera de nós.”
(Pierre Bouche, La Côte des Esclaves et le Dahomey. Paris, 1885)
"O chefe de todos os gênios maléficos, o pior deles e o
mais temido, é Exu, palavra que significa o rejeitado; também chamado Elegbá ou
Elegbara, o forte, ou ainda Ogongo Ogó, o gênio do bastão nodoso.” (R. P.
Baudin - Fétichisme e féticheurs)
Dentro do próprio território africano, antes do negro ser
escravizado para as terras do 'Novo Mundo', Èsú, assim como Elegbara (correlato
Fon) foi considerado o propagador do mal, das doenças e discórdias. Dessa forma
acabou se tornando uma espécie de “bode expiatório” dos locais. A frase 'Eshu
l'o ti mi' (Exu que me impeliu) começou a ser usada pelo povo como desculpa por
erros praticados. Esse conceito de que forças malignas impingem o homem à
realização de atos fora dos padrões aceitos já era o preâmbulo da grande
influência da Igreja Católica.
Brasil, terra formada por muitas etnias, local escolhido por
antigos Deuses para uma fusão sociocultural, onde as raças se misturaram
formando novos credos e cultos, onde ameríndios, africanos e europeus deixaram
a rigidez de suas formações primárias e deram vazão ao novo, ao desconhecido e
ao desbravador. Uma região abençoada e amaldiçoada foi a terra fértil que
capacitou a formação de uma corrente evolutiva de tamanha grandeza que deixa
marcas no mundo inteiro... A Quimbanda!
Kimbanda e Quimbanda são formas gráficas similares,
entretanto, apesar de serem homófonas e possuírem a mesma raiz, o curso
histórico fez com que cada uma delas assumisse um caminho e uma identidade
própria. Kimbanda é uma palavra de origem africana, mais precisamente da língua
Kimbundo (Bantu) que significa: Sacerdote da arte de curar. Possivelmente, essa
expressão seja a junção de KI-MBANDA. Sob tal prisma, o Kimbanda era o Alto
Sacerdote curandeiro e conselheiro que evocava e invocava os espíritos para
sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de suas tribos. A palavra
Kimbanda é similar à palavra Nganga (também de origem Bantu, entretanto no
dialeto Quicongo) o “curandeiro das ervas que carrega a sabedoria e o
conhecimento” ou “sacerdote que consegue comunicar-se com o outro mundo".
Ambas as palavras simbolizam o sacerdote curandeiro, fitoterapeuta,
conselheiro, interventor, aquele que se comunica com os espíritos em prol de
seu vilarejo, seu povo e todos que os procuram. Entretanto, a palavra Kimbanda
também se confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e
no Brasil.
A Kimbanda, assim como outros cultos afros, veio ao Brasil
através do processo escravista. Ao longo dos séculos XV e XVI Portugal exerceu
um forte domínio em alguns locais da costa africana através de feitorias e pelo
meio desses pontos iniciou seu obscuro comércio.
Como a escravidão já era uma prática existente entre as
próprias tribos africanas, não tardou para que os conquistadores portugueses
estabelecessem vínculos comerciais com autoridades locais e firmassem
lucrativos acordos. Dessa forma o negro adentrou na Europa, nas ilhas
caribenhas e no território brasileiro. Os escravos capturados na África eram
prisioneiros de guerra, feiticeiros, assassinos, adúlteros ou nos casos mais
graves, indivíduos trocados por chefes tribais ou penhorados por dívidas. A
procedência dos escravos cursava toda a costa oeste da África, ocorrendo por
Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Eram divididos em três grupos: sudaneses,
guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus. Destaca-se esse último grupo por serem
os mais numerosos e, segundo alguns relatos de senhores de engenho, os mais
pacíficos e adaptados aos trabalhos, em contraparte aos de origem sudanesas considerados
mais fortes e inteligentes, porém, com intensas tendências às revoltas.
O negro aportou em terras brasileiras e junto vieram
diversas espécies de sacerdotes, todavia, conjuntamente aportaram os temidos
Mulôjis e os Ndokis. Ao contrário dos Kimbandas, esses não eram sacerdotes de
cura e equilíbrio, eram feiticeiros necromantes (por vezes mercenários) que
conheciam as artes mais temidas oriundas de um tempo que não conseguimos datar.
Segundo o “Dicionário de Kimbundu-Português” de António de Assis Júnior, Mulôji
é: Feiticeiro, condutor das forças ocultas maléficas (t. kimbundu).
O povo africano que estava em solo brasileiro teve um árduo
processo de adaptação. A ação escravocrata trouxe ao Brasil milhares de
Africanos e dezenas de Nações aportaram e foram distribuídas como mercadoria
por todo território. Tudo era novo, inclusive a condição de escravo.
Obviamente, muitos se revoltaram com tal situação e assim que podiam fugiam de
seus cativeiros mata adentro. Outros, mesmo revoltados acabaram aceitando a
escravidão e procuraram camuflar ou sincretizar suas crenças com a cultura
dominante (cristita europeia) e por fim, existiram os negros que realmente se
converteram e aceitaram seu destino de forma mais pacífica. Três comportamentos
ocorreram concomitantemente: A revolta, a aceitação parcial e a aceitação
completa.
"As convicções religiosas dos escravos eram,
entretanto, colocadas a duras provas quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde
eram batizados obrigatoriamente para a salvação de sua alma e deveriam
curvar-se a doutrina dos seus mestres...” (Pierre Fatumbi Verger- Orixás,
deuses iorubas na África e no Novo Mundo)
Nosso foco está direcionado aos negros cuja aceitação foi
parcial e principalmente aos que se revoltaram contra o sistema. Como o Brasil
colônia era uma terra de grandes dimensões e distante do Reino (Portugal) a
vigilância da Igreja não foi tão intensa quanto era na Europa. Isso deu margem
para um desapego aos costumes cristãos e um fortalecimento do sincretismo entre
os povos.
O negro africano encontrou em terras brasileiras uma cultura
local que também passou por árdua perseguição: Os povos indígenas do Brasil.
Descendentes de linhagens de caçadores da América do Norte que atravessaram via
istmo do Panamá, segundo estudos publicados por órgãos oficiais do Brasil,
encontram-se em terras sul-americanas há pelo menos sete mil anos. Com raízes
culturais muito profundas e um sistema de crenças baseado na natureza (fauna e
flora), nos espíritos ancestrais, no poder das ervas e na vida após a morte, os
índios tinham na figura dos Pajés (Xamãs) um elo de conexão entre o mundo
visível e o invisível. Pajés eram seres que entravam em transe (às vezes
extáticos) e se comunicavam com seres celestes através de invocações e
evocações. Esses feiticeiros tinham poder sobre os animais e espíritos da
floresta, eram sacerdotes médicos que trabalhavam com forças fitoterápicas e
suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos. Um Pajé exercia a
mesma atividade que um Kimbanda.
Toda história que envolve os índios no Brasil é controversa,
pois todos os documentos que retratam a época do Brasil colônia são
tendenciosos e manipuladores. Mesmo que esse livro seja direcionado à
Quimbanda, temos de traçar uma linha histórica para que todos compreendam os enlaces
que geraram a religião.
É sabido que os Padres Jesuítas foram os primeiros a ter
contato direto com os índios. Esses 'arautos da cruz' nada mais eram do que
soldados em missão da Igreja Católica, pois atendiam a função de “controladores
das almas” em prol do fortalecimento do Estado e impediam os avanços da Reforma
Protestante. Esses padres tinham por objetivo ensinar a língua portuguesa ou
espanhola, edificar escolas e principalmente transmitir a fé católica e os
costumes europeus. Essa prática ocorreu em território brasileiro, africano,
chinês e indiano.
"Países católicos, trouxeram junto com os navios
desbravadores, os sacerdotes, os quais tinham a missão de expandir a fé para
essas novas terras. Encontraram sociedades nativas com costumes totalmente
diversos, ou como diria o antropólogo Lévi Strauss, os europeus encontraram
"outra humanidade”. (Juberto dos Santos - www.catequisar.com.br)
Os padres jesuítas combatiam as práticas nativas instituindo
uma cultura ao pecado'. Nudismo, poligamia, as práticas religiosas, o
canibalismo, enfim, toda cultura e tradição indígena sofreu inúmeras tentativas
de persuasão antes da perseguição propriamente dita. Entretanto, parte do povo
indígena impôs restrição (através de batalhas sangrentas) a essa invasão. A história
relata que a relação entre índios e europeus teve fases muito diversas. A
princípio os europeus acreditavam que os índios eram facilmente manipuláveis e
quando perceberam o poder de embate, entenderam que deveriam atacar o âmago das
tribos, ou seja, corromper os dirigentes (Caciques). Como as etnias indígenas
viviam em constante guerra (intertribais), os europeus se aproveitaram para
estabelecer relações proveitosas e garantir espaços e tratados comerciais
favoráveis. Como a França e a Espanha disputavam territórios com Portugal, a
aliança com os índios ocorreu em ambas as partes e tribos rivais se enfrentavam
em nome dos Reis da Europa. Podemos ver isso no incidente histórico denominado
“A Confederação dos Tamoios” em 1575, onde 2.500 índios foram chacinados pela
Coroa Portuguesa. Algumas dessas tribos praticavam a escravatura e, quando seus
inimigos caiam em mãos opostas se tornavam objetos de troca. Toda uma nova
política foi feita através dessas alianças.
Os caciques foram o grupo escolhido para aprender a escrita
e a leitura. Eram doutrinados pelos ditames religiosos e agiam em suas tribos
como propagador da religião. Essa tática funcionava muito bem e facilitava o
processo de conversão. Além disso, muitos índios (na fase de infância) eram mandados
à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil como
“espelhos', referência de como os demais deveriam ser. Toda essa destruição
cultural fez com que a identidade dos índios fosse acabando... Dois séculos de
Igreja Católica dizimaram milhares de anos de tradições enraizadas.
"O que resultou da pregação jesuítica não foi, porém,
um índio convertido, mas um índio subjugado, domesticado, que vendo
desmoralizado os costumes a que estava arraigado, sem ter assimilado a fé que
quiseram impor, não encontravam nem forças para viver.” (Berta G. Ribeiro - O
Índio na História do Brasil- Editora Global - 2009).
"...A educação é exatamente isso, uma maneira de
transmitir esse modo herdado e a maneira inata de se viver. O homem é o todo de
suas relações, pois recebe as mesmas influências arquetípicas que todos os
homens de seu grupo social recebem, mesmo sendo individual e possuindo
características únicas. Se perder essa participação arquetípica de seu mundo, o
homem está morto, mesmo que não fisicamente, ele agora é um defunto que não
possui mais funções perante a vida.” (O Mito Cristão contra Guaixará e os
outros diabos.Educação e conversão Século XVI e XVII - Sady Carnot -
Piracicaba, SP. 2006)
Nessa história toda sabemos que ocorreu a escravidão de
negros e de índios em terras brasileiras. A Igreja foi uma instituição omissa
que permitiu a compra e venda de prisioneiros e que contribuiu com o declínio e
destruição de muitas etnias indígenas. Alguns alegam que a Igreja repudiava a
escravidão (e existem até bulas papais sobre o assunto), outros que a Igreja
legitimava a escravidão, certo é que, independente de documentação histórica a
Igreja esteve presente durante esse período e não são poucos os relatos de
atrocidades e castigos físicos que a própria impingiu em negros, índios e nos
próprios europeus. A ação de catequese era uma via de duas mãos, pois diminuía
a ferocidade dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo
de colonização.
A visão acerca dos índios foi um tanto quanto diferente da
dos negros, pois os colonos alegavam que eram indolentes, preguiçosos e que não
tinham resistência alguma às doenças. Outros alegaram que os índios
escravizados eram como animais selvagens e preferiam morrer a trabalhar. Certo
é que o comércio de escravos africanos movimentava dinheiro à Metrópole, algo
que o indígena não fazia e, por tal vantagem, acabou suplantando o escravismo
indígena no Brasil e institucionalizando o tráfico negreiro.
Podemos afirmar que o contato entre negros, índios e
colonizadores foi muito intenso. Um verdadeiro ‘caldeirão' cultural borbulhava
em terras brasileiras onde Deuses e Deusas se fundiam numa velocidade dantes
nunca vista, e novas religiões ou novas formas de culto às antigas religiões
nasceram dessa fusão cultural. Entretanto, um Espírito, dantes não cultuado
pelas culturas nativas despontava como açoite dos costumes religiosos cristãos.
Seu nome era: Diabo.
A palavra exu, por si só, dita entre um grupo de amigos no
trabalho ou até mesmo nos programas de televisão gera rápida associação com
algo ruim, seja maligno ou simplesmente não desejado.
É comum encontrar uma pessoa não ligada à religião dizer:
“Sai exu! Chuta que é macumba”!
Contudo, mesmo que os adeptos das religiões afro-brasileiras
insistam com seus interlocutores que exu não é algo maligno alguns destes
religiosos não conseguem expor com exatidão porque exu possui esta forte
conotação pejorativa.
A explicação corriqueira é seguida de frases como:
“Exu fala na cara e a verdade dói. Por isso, o povo fala que
exu não presta”;
“Dizem que exu é o diabo porque não conhecem a religião.
Se conhecessem, não diriam isso. Exu é Guardião”.
Afirmações deste tipo não nos esclarece o motivo e, talvez,
a origem de tão reforçada vinculação de exu, orixá ou entidade de trabalho,
como dizem os praticantes de Quimbanda, com o diabo católico.
A analogia entre exu e o diabo católico possui raízes mais
profundas do que imaginamos. Por conta da análise histórica do bispo anglicano
Crowther revelamos que o fato também é gerado dentro da sociedade iorubana há
séculos.
Uma informação muito importante aos irmãos de fé que ainda
não estão cientes desta funcionalidade.
O google tradutor possui a língua ioruba como opção.
Sim, podemos acessar o google tradutor, digitar uma palavra
em ioruba, por exemplo, ori, que teremos como tradução em português: cabeça.
Contudo, digitando a palavra Esù (grafia mais aproximada do
ioruba) teremos a tradução: diabo.
Explicarei um dos fatos fundamentais que levou e ainda leva
grande parte da população a relacionar Exu com o diabo católico.
Não existe um fato isolado na história da humanidade que
vincule a imagem de exu ao diabo católico.
Podemos dizer que uma sucessão de acontecimentos gerou esta
associação.
Entretanto, um fato histórico documentado é de extrema
importância para o estudo da origem associativa de exu com o diabo.
Quando digo exu estou me referindo ao Orixá Exu, divindade
mensageira e primordial junto ao grupo etnolinguístico africano de nome ioruba
e também me referindo às suas demais associações em outros meios religiosos como,
por exemplo, as manifestações em transe mediúnico de entidades espirituais
denominadas como Linhas de Trabalho de Esquerda para algumas escolas
umbandistas e de Quimbanda, que são chamadas também pelo nome de exu.
Para isto, precisamos conhecer a história de um nigeriano
chamado Samuel Ajayi Crowther.
Samuel Ajayi Crowther nasceu no ano de 1809 na Nigéria,
povoado de Oxogun que, na época chamava-se Iorubalândia.
Aos 13 anos de idade, sua cidade foi invadida por caçadores
de escravos.
Acredita-se que estes caçadores eram de origem Fulani e Oyos
que se converteram ao islamismo, fato muito comum na África.
A conversão para o catolicismo, protestantismo e islamismo é
muito grande até os dias de hoje.
A invasão, contou Crowther em suas memórias, foi brutal.
Incendiaram casas, perseguiram os cidadãos que eram parados
por meio de pancadas e conduzidas por meio de correntes presas ao pescoço.
Disse ainda que, os incapazes eram mortos aumentando o
desespero, tendo em vista que as famílias eram dizimadas e os vínculos
perdidos.
De uma hora para outra, parte de sua família e amigos eram
açoitados e mortos deixando crianças sem pais para serem vendidas e utilizadas
como mão-de-obra escrava do outro lado do oceano.
Na época, era uma vida sem volta.
Só havia sofrimento e dor.
Samuel, comercializado por seis vezes, foi entregue a um
grupo de portugueses que praticavam o tráfico de escravos intercontinental.
Estes traficantes colocaram seu grupo de escravos africanos
dentro de seu navio negreiro e partiram rumo ao continente americano.
Possivelmente, Brasil.
Contudo, este navio negreiro foi interceptado pela marinha
britânica em abril de 1822 e conduzido à região de Serra Leoa, região muito
distante de sua terra natal.
Os africanos integrantes do grupo resgatado viram-se
desorientados por aportar em região desconhecida, mesmo estando no mesmo
continente.
Em Serra Leoa, Crowther deu início a uma nova vida.
Não por opção, mas por necessidade.
Era uma questão de sobrevivência.
Passados três anos em Freetown (África), converteu-se ao
cristianismo.
Sobre esta experiência, escreveu:
"sobre o terceiro ano da minha libertação da escravidão
do homem, eu estava convencido de outro estado pior de escravidão, ou seja, a
do pecado e de Satanás.
Aprouve ao Senhor abrir meu coração(...)
Eu fui admitido na Igreja visível de Cristo aqui na terra
como um soldado para lutar bravamente sob sua bandeira contra nossos inimigos
espirituais."
Podemos notar facilmente que Crowther enxergava-se como um
religioso que tinha uma grande missão, lutar bravamente sob a bandeira do
Senhor contra nossos inimigos espirituais.
Em 11 de dezembro de 1825, Ajayi foi batizado pelo Reverendo
John Rahan, integrante da Sociedade Missionária Anglicana.
Depois do batismo, adotou o nome Samuel Crowther em
homenagem a uma grande figura desta mesma sociedade religiosa e que usava o
mesmo nome.
Passou alguns anos em Serra Leoa estudando inglês e ganhou
destaque entre os missionários recebendo o cargo de inspetor de alunos.
Não podemos negar que Crowther era inteligente, esforçado e
dedicado à sua religião.
Mesmo não estando o clero britânico em concordância com esta
situação, Crowther tornou-se o primeiro bispo negro no ano de 1864.
Neste mesmo ano, Crowther concluiu seu doutorado pela
Universidade de Oxford.
Antes de Crowther, a língua ioruba não tinha grande
importância para os ingleses.
O intuito era ensinar o inglês.
Contudo, tal abordagem não se mostrara tão eficaz quanto a
de Crowther que, com grande esforço, catalogava e traduzia os ensinamentos da
igreja para as línguas locais.
Logo, o ioruba passou a ser a língua mais falada em Serra
Leoa.
Juntamente com o reverendo Rahan, Crowther publicou três
livros sobre o Ioruba.
Em 1843 publicou um livro intitulado Vocabulário Ioruba com
o estudo gramatical da língua e sua estrutura.
Durante toda sua vida como religioso cristão, Crowther
dedicou-se à tradução da Bíblia para a
língua ioruba.
A Bíblia em ioruba, Bibeli Mimá, foi publicada na década de
1880.
Assim, chegamos ao ponto do trabalho de Crowther que nos
influencia até os dias de hoje.
Crowther, para que os iorubanos entendessem a religião
cristã e seu novo testamento forçou algumas analogias.
Podemos notar que no evangelho de Mateus, cuja reprodução
encontra-se no material em anexo, capítulo 4 (na Bíblia em ioruba consta como
ori 4), versículo 1 (primeira frase) consta:
“Em seguida, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para
ser tentado pelo diabo”.
Crowther torna oficial a tradução de Exu para diabo,
satanás.
Todo o povo ioruba que manteve contato com as obras dele,
bem como todo o clero da Igreja Anglicana, passa a utilizar a palavra Exu para
designar o diabo.
Havia um homem, Crowther, bispo anglicano e com doutorado em
Oxford que fundamentava esta associação.
Sabemos que a tradução de um livro extenso como a Bíblia
exige um certo número de pessoas.
De certo, Crowther possuía colegas de trabalho ou ajudantes
com o qual mantinha constante diálogo e troca de opiniões sobre as palavras
corretas a serem utilizadas para compor a tradução de um livro tão sagrado
quanto a Bíblia.
Para um bispo, a subversão dos ensinamentos de Deus era um
sacrilégio.
Assim, Crowther agiu de acordo com suas crenças, de acordo
com suas lembranças e nunca saberemos o real motivo desta indicação.
Não sabemos com exatidão se utilizou o sincretismo porque
considerava Exu o diabo ou porque esta era a única solução que encontrou para
demonstrar ao povo ioruba a essência do que estava ali escrito.
Por exemplo, Crowther traduziu Deus como Olorum.
Contudo, não traduziu Jesus como Oxalá.
Manteve aquilo que lhe era sagrado intacto e transformou os
demais conceitos em material compreensível ao povo ioruba.
O sincretismo de Exu com o diabo, neste caso, ocorreu de
fora da religião para dentro.
Será que a Bíblia que nos é apresentada hoje, após inúmeras
traduções realizadas das diversas línguas originais de seus textos, é
fidedigna?
Cremos que não.
O que foi perdido ou subvertido?
Os sacerdotes africanos participantes das religiões de culto
aos antepassados, das regiões de Angola e do Congo, chamados de Kimbanda e
Nganga, respectivamente ao manterem contato com os colonizadores europeus
traziam no seu imaginário os conceitos de feitiçaria e práticas mágicas e
acabou por ressignificar os seus costumes religiosos.
Os sacerdotes desses cultos, acabaram sendo vistos como
feiticeiros e praticantes de magias negras.
Ao lado desse rótulo externo, os cultos, dirigidos pelo
Kimbanda e Nganga, foram se transformando, através de uma dinâmica cultural com
as religiões e religiosidades europeias e indígenas, gerando cultos como a
cabula, o calundu e a macumba, que no século XX, formaram matrizes religiosas
como a Umbanda.
Pelas sete estrelas que escurecem o firmamento, pelo
despertar dos gigantes que adormecem abaixo dos vulcões, pelas lagrimas de
sangue que escorrem dos meus olhos, estarei sempre em ti, jorrando as aguas adocicadas
do eterno saber.
Sou a volúpia do seu espirito enegrecido e as sensações de
prazer que vives em tuas vitorias.
Sou o anoitecer doa amantes e a harpa dos iludidos, sou o
princípio e o fim dos poucos que possuem espirito.
Sou a águia negra que te enxerga do alto e a serpente
invisível que lhe espreita em todas as horas.
É o Ícone flamejante da evolução a emanar a verdadeira luz.
O que guia os adeptos da Quimbanda Brasileira.
O significado do nome Lúcifer é “portador da luz”.
Sua origem vem do hebraico e do grego que foram substituídos
em uma tradução para o latim pela palavra “lucífer” “luciferi”
Sabe-se que os romanos cultuavam os astros na forma de
deuses e deusas, lucífer era uma palavra que designava a luminosidade e
esotericamente estava associada a aparição matutina de Vênus.
Em resumo podemos dizer que Lúcifer seria o condutor da luz
solar pela aurora, ou ainda, a força que ilumina pós escuridão.
Curiosamente Lúcifer não era um nome próprio e sim um
adjetivo usado nas traduções como qualidade de “portador de luz”, empregado com
o próprio Jesus.
O “Portador da Luz” é uma força não estática que motiva a
imaginação, o intelecto e a evolução espiritual.
Ele desperta-nos para realidade da escravidão, dor e
alienação a que somos submetidos vida após vida.
Como um fogo consumidor, transforma todas as ilusões em
cinzas queimando nossas debilidades e fragilidades.
Lúcifer é o opositor de frágeis estruturas e sua força
dissipa as mentiras.
É sabedoria, iluminação, é o fogo libertador que destrói a
ingenuidade.
Quando a quimbanda brasileira louva a Lúcifer, esta louvando
à sua face mais benevolente.
E Lúcifer nos oferece os sagrados mistérios, permitindo aos
homens a deificação através da chama negra manifestada dentro do “eu”.
Dentro de nossa tradição Lúcifer é o “Portador da Gnose”. A ação
de conhecer, o conhecimento, a ciência, a sabedoria cuja força age como fonte
para todos os Exus e Pombagiras.
E através da sabedoria proibida é o portal para manifestação
espiritual em busca de iluminação e purificação mental através da incineração
de velhos conceitos.
Exu Lúcifer não tem um reino especifico, pois responde e
possui autoridade de realeza em todos os reinos. Não ultrapassa o limite de Rei
algum, apenas enobrece ainda mais os planos em que exerce suas funções.